A história do Brasil é povoada por monstros desde muito tempo. Você sabia que lá por volta de 1564, isto é, quando os portugueses tinham acabado de chegar por aqui, eles acharam um monstrão na praia?
Pois é. Foi onde fica hoje a cidade de São Vicente, no litoral de São Paulo. Quem conta é Pero de Magalhães Gândavo, um dos nossos primeiros historiadores.
Ele diz que, certa noite, os índios tiraram do mar uma criatura que media mais de 3 metros de comprimento, cheia de barbatanas e pelos pelo corpo, “e no focinho tinha umas sedas muito grandes como bigodes”. Deram a ela o nome de ipupiara, ou demônio d’água em tupi antigo.
Até hoje não sabem o que é que era o bicho, mas suspeita-se que se tratava de algum leão marinho perdido, vindo das águas mais frias do sul do continente. O fato é que o mito permaneceu, ganhou estátua na cidade e inspirou até a criação do monstro da lagoa negra, que há em muitos filmes de terror.
Mas a nossa relação com os monstros não para por aí.
Olha o mapinguari, por exemplo, que supostamente viveria na amazônia e seria a nossa versão para o pé-grande. Dizem que ele é um monstro todo peludo, que não pode ser abatido nem com bala de revólver, e que tem patas de burro viradas para trás. Uma hipótese é que alguém um dia viu um bicho-preguiça gigante e aí deu origem à lenda.
Notou que tanto no caso do ipupiara quanto no caso do mapinguari, estamos falando de monstros que se parecem muito com animais que realmente existem? É, eis aí um detalhe importante. Muitas vezes, quando tomamos contato com o desconhecido, criamos monstros na nossa cabeça, porque é a nossa forma natural de reagir diante do que não explicamos.
Quando os europeus vieram parar no Brasil, toparam com toda uma turma de animais que jamais haviam visto, uma vez que eles não existiam na Europa. Natural que pensassem que eram monstros, não? Mas o Brasil também importou monstros de fora.
Tome o exemplo da cabra-cabriola. Essa é uma criatura que importamos das crenças portuguesas e que por muito tempo foi usada para botar ordem nas crianças travessas. Sabe o bicho-papão? Pois é, ela é uma versão nossa para ele: uma besta grandona, de dentes pontudos, que solta fogo pela boca e pelas narinas e sempre sai da toca à noite, para devorar meninos.
E a pisadeira, então? Essa é a nossa bruxa, embora também possa assumir a forma de um bruxo. Antigamente, nossos ancestrais acreditavam que os pesadelos eram causados por essas espécies de demônios que nos visitavam durante o sono e faziam peso nas nossas barrigas (note que a palavra “pesadelo” vem de “peso” e “pesado”). A pisadeira nada mais era do que a forma abrasileirada de explicar o pesadelo, mas sob a forma de uma criatura de cabelo desgrenhado, dedos compridos e nariz curvado.
Está vendo só? Os monstros são sempre a explicação que as pessoas encontram para justificar aquilo que elas ainda não compreendem muito bem.
Guilherme Genestreti