InícioBrasilBicho-da-seda: produtores relatam problemas com deriva e abandonam atividade no PR

Bicho-da-seda: produtores relatam problemas com deriva e abandonam atividade no PR

Agricultores familiares produtores de bicho-da-seda no Paraná estão acumulando prejuízos e até saindo da atividade por conta de danos decorrentes da deriva de defensivos agrícolas aplicados em propriedades vizinhas. Os agroquímicos, utilizados de forma incorreta em pulverização aérea em lavouras de grãos, estariam contaminando os pomares de amora dos pequenos agricultores.

Os produtores de bicho-da-seda, concentrados no norte do Paraná, têm em média 3 hectares de amoreiras. As folhas dessas árvores são o principal alimento do bicho-da-seda e insumo para a produção do casulo, de onde é extraído o fio da seda. Ou seja, é fundamental que o cultivo da amoreira seja 100% natural, sob pena de inviabilizar a atividade.

Claudinei de Carli, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares de Astorga, no norte paranaense conta que os problemas com a deriva vêm se intensificando nos últimos três anos. Como a maior parte dos sericicultores (produtores de bicho-da-seda) é de agricultores familiares, que cultivam pequenas áreas, o dirigente explica que os prejuízos consecutivos têm tirado muitos deles da atividade.

De acordo com o sindicato, que move uma ação de indenização em favor dos agricultores atingidos,  as perdas deste ano apenas são calculadas em R$ 339 mil. Em 2020, o prejuízo total teria sido de aproximadamente R$ 500 mil.

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Foto: Pixabay

O sindicato articula a criação de um fundo com a Prefeitura Municipal de Astorga para garantir futuras indenizações com problemas dessa natureza. Dos 75 produtores de bicho-da-seda do município, 55 teriam sido impactados pela deriva entre janeiro e fevereiro de 2021.

Astorga é um dos principais produtores do estado, ao lado do município de Nova Esperança, que lidera o ranking de maior produtor. O Brasil produz quase 3 milhões de quilos de casulos. O Paraná é o maior estado sericicultor do país, com 80% da produção nacional, seguido por São Paulo e Mato Grosso do Sul.

Investigação

Segundo Eliza Maria Teixeira Monteiro, fiscal de Defesa Agropecuária da unidade de Astorga da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), diversos criadores de bichos-da-seda protocolaram reclamações contra possíveis casos de deriva no mês de fevereiro. Assim, rapidamente, o processo de investigação foi iniciado.

“Diversos reclamantes citaram aviões pulverizando lavouras de soja e fomos às propriedades mencionadas. Encontramos casos de produtos que deveriam ser utilizados em tratores e que foram jogados de aviões. Com isso, notificamos os envolvidos, que têm um prazo para se defender”, conta a fiscal.

Segundo ela, é possível fazer a correlação com os produtos utilizados nas propriedades fiscalizadas e as amostras enviadas aos laboratórios. “A fiscalização tem tudo documentado, pois acessamos o Sistema de Monitoramento de Comércio e Uso de Agrotóxico no Estado do Paraná (Siagro), onde conseguimos rastrear o produto e se as receitas agronômicas eram feitas para pulverização de avião ou de forma tratorizada. Daí, com o número do prefixo do avião anotado, identificamos quem aplicou”.

Elisa explica que há suspeita de deriva proveniente, também, de tratores. “Nessas ocasiões, é preciso salientar que a quantidade de agroquímico é bem pequena, mas é o suficiente para afetar o bicho-da-seda. Constatamos a mortalidade dos insetos, e o mais provável é que tenha ocorrido, de fato, pela ingestão da folha da amoreira contaminada”.

Prejuízo e abandono da atividade

Há 47 anos na atividade, o agricultor Benedito Alves da Silva reforça a declaração do presidente do sindicato de que o problema é reincidente há pelo menos três anos consecutivos. “Com a deriva perdemos em peso, qualidade e preço. A contaminação das amoreiras chega a comprometer lotes inteiros do bicho-da-seda”, diz o agricultor. Com os lotes comprometidos no início do ano, Silva calcula uma quebra de 50% na produção em 2021. Ele trabalha com sericicultura em uma área de pouco mais de 2 hectares, principal fonte de renda da família.

Wilson Fröhlich, que lamenta a falta de área para diversificação – ele também tem apenas 2 hectares –, conta que perdeu 50% da produção em 2020 e estima uma quebra de outros 50% em neste ano. Em meio ao campo de amoreiras, conta que até tentou eliminar o efeito da contaminação pela deriva, com uma poda da lavoura. Mas não foi o suficiente, porque a rebrota também foi comprometida.

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Wilson Fröhlich teve quebra de 50% em 2020 e previsão de mais 50% de perdas em 2021. Foto: Fetaep

Emerson Ferreira, tesoureiro da Associação dos Sericicultores de Astorga e Pequenos Produtores de Tupinambá, calcula, “por enquanto”, em pelo menos 30% a quebra na produção do município em 2021. No ano passado, a deriva teria afetado 40% da produção. Pelos dados da associação, segundo Ferreira, desde 2020 pelo menos 20% dos produtores saíram da atividade. Lucio Fassina, da Bratac, empresa integradora que é líder em processamento de fio de seda no Brasil, o início do ano vem se tornando a pior fase para a atividade e de maior impacto na produção no norte do Paraná.

O produtor Antenor Nazi, que cultiva amoreiras há 28 anos em Astorga, foi um dos que deixou a atividade recentemente. Depois de três safras com problemas atribuídos à deriva de defensivos, ele decidiu abandonar a sericicultura. Nazi literalmente acabou com 7 hectares de amoreira e desativou os galpões que utilizava para a criação do bicho-da-seda.

A decisão veio neste ano, quando perdeu 14 caixas de casulo por conta da contaminação das plantas. Entre a lavoura, galpões, colheita mecânica e máquinas automatizadas, ele calcula um prejuízo próximo de R$ 200 mil.

O agricultor também lamenta o fato de ser obrigado a acabar com o sustento da família. “Aqui tínhamos um potencial de renda na casa de R$ 15 mil por mês. Agora vou me aventurar com algumas vaquinhas de leite e meu filho foi buscar trabalho na cidade.” Trabalhavam na atividade ele, a esposa, o filho e a nora.

produção amoreira

Antenor Nazi, Emerson Ferreira, Claudinei de Carli e Marcos Brambilla. Foto: Fetaep

Mais recente na sericicultura, o produtor Adriano Aparecido Piza está há três anos na atividade e há dois anos acumulando prejuízos. “Em 2020 perdi 50% da produção. Este ano deve ser pior”, diz Piza, enquanto assiste ao trator roçar parte dos 2,5 hectares de lavoura de amora que foram contaminados pela deriva. Ele decidiu entrar na produção de bicho-da-seda porque a atividade permite ser explorada com boa renda em pequenas áreas. Com investimentos da ordem de R$ 100 mil, o agricultor afirma que, “se continuar o problema do avião, não tem jeito, vou admitir o prejuízo e sair da atividade”.

Marcos Brambilla, presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Paraná (Fetaep), esteve na semana passada vistoriando pessoalmente as lavouras em Astorga e discutindo com dirigentes e produtores o drama da região. Ao lado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, a Fetaep apoia a endossa todas ações no sentido de amenizar as perdas e solucionar em definitivo o problema. “Estamos trabalhando pela indenização dos agricultores afetados e também para garantir a permanência dos produtores e suas famílias na atividade.”

No entendimento de Brambilla, a criação do fundo para futuras e possíveis indenizações, bem como a definição de novas regras para coibir ou garantir a convivência entre pequenos e grandes produtores “é que vai garantir o futuro sustentável do campo e da família rural”.

Há 47 anos na atividade, Benedito Alves da Silva, diz que o problema é reincidente: Foto: Fetaep

Claudinei de Carli, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Astorga, lembra que os prejuízos da deriva de 2020 são motivo de uma ação que encontra-se na Justiça da Comarca de Astorga. Sobre os prejuízos parciais apurados em 2021, De Carli encaminhou ofício à Câmara Municipal de Astorga com uma lista de 51 sericicultores de Astorga e 13 de outros municípios da região, que atestam prejuízos com a deriva da pulverização aérea somando mais de R$ 339 mil.

Além das denúncias feitas junto à Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar) para que o fato seja denunciado ao Ministério Público do estado, também está em trâmite na Câmara de Astorga um projeto de lei que proíbe a pulverização aérea no município. O mesmo projeto, se aprovado, prevê a criação do fundo de indenização a ser criado pelo Poder Executivo.

Boas práticas no uso de agroquímicos

O Sindicato Rural Patronal de Astorga também foi procurado pela reportagem e falou sobre a importância das boas práticas na hora de se utilizar a pulverização, seja via terrestre ou aérea.  Segundo o presidente da entidade, Guerino Guandalini, o sindicato apoia todos os tipos de cultivo e de pulverizações, desde que sejam realizadas da maneira correta.

“No caso da aplicação de defensivos e adubos através de avião, é considerada como deriva tudo aquilo que não atinge o alvo da aplicação e causa interferência nos mecanismos básicos da aplicação. Para se evitar tal deriva, é necessário se observar alguns critérios adotados mundialmente, como boa técnica de geração de gotas, condição meteorológica, composição da calda e as condições operacionais do pulverizador. Toda aplicação de defensivos ou adubos onde ocorre a deriva é prejudicial não só para vizinhos e outras culturas, é prejudicial principalmente para o agricultor que está utilizando a pulverização aérea, pois as gotículas caindo fora da lavoura são prejuízo na certa”, disse.

Segundo Guandalini, quando ocorre esse tipo de situação, o produtor que aplica também sai prejudicado. “Quando ocorre a deriva, não é por vontade do agricultor. Não é a pulverização aérea que é maléfica, é o mau uso dessa pulverização, pois mesmo a aplicação com pulverizadores terrestres pode ocorrer a deriva, pois ventos podem surgir.”

O presidente do sindicato patronal acredita que erros individuais não devem gerar um sentimento contra a aplicação de defensivos por aviões. Segundo ele, quando feita seguindo todas as recomendações técnicas, a aplicação acaba atingindo o objetivo, que é de proteger a plantação. “Pode ter ocorrido, sim, em nossa região, a deriva em alguma propriedade que se utilizou de pulverização aérea, mas nem por isso se deve proibir a pulverização aérea. O que deve ocorrer é a fiscalização e, se os produtores de bichos-da-seda se sentirem prejudicados,  devem recorrer aos meios legais para serem ressarcidos, se prejuízo houve. Não se pode penalizar uma totalidade por um desvio de algum agricultor, que não cumpriu as regras para a pulverização correta”.

Prevenção e fiscalização

A Adapar informou que,  por meio do Programa de Fiscalização do Comércio e do Uso de Agrotóxicos da Gerência de Sanidade Vegetal, orienta para que os agricultores não apliquem agroquímicos em suas lavouras sem antes consultar um profissional de agronomia, para verificar a real a necessidade do uso do produto.

“Os agricultores devem lembrar que na natureza existem diversos insetos, fungos, bactérias e plantas. Mas nem todos causam danos nas lavouras, pois alguns são inimigos naturais das pragas,  podem ser benéficos porque irão atacá-las, reduzindo com isso a necessidade da aplicação de um agrotóxico”, informa a entidade

Especificamente sobre a deriva, a Adapar diz que é comum a comunicação de ocorrências de aplicações atingindo propriedades vizinhas, que possuem moradias isoladas, núcleos habitacionais, criação de animais, culturas orgânicas, culturas sensíveis como hortaliças, uva, criação de abelhas e bicho-da-seda, dentre outras.

“Quando isso fica comprovado, o agricultor responsável pela aplicação que gerou a deriva é penalizado com aplicação de multa e o processo é encaminhado ao Ministério Público para as providências cabíveis, motivo pelo qual alertamos aos agricultores para que tomem cuidado no momento da aplicação para evitar estes problemas”.

Aplicação de defensivo em soja

Foto: Milton Doria/Adapar

Suspeita de deriva: o que fazer?

De acordo com João Miguel Toledo Tosato, engenheiro agrônomo, fiscal de Defesa Agropecuária e coordenador de Fiscalização de Agrotóxicos da Adapar, é indicado que, na primeira suspeita de morte de animais como abelhas ou bicho-da-seda causada por deriva, a agência seja contactada para que um fiscal seja enviado para fazer coleta de amostras. O mesmo procedimento deve ser feito caso ocorram danos a plantas, como as amoreiras que servem de alimento para o bicho-da-seda.

“Deve-se ligar para a ouvidoria do estado e, então, essa informação chega à coordenação. Aqui, nós encaminhamos a denúncia para um supervisor regional. Ele aciona o fiscal mais próximo e já começa o trabalho de investigação”, disse.

Caso o inseto morra, é preciso que o fiscal chegue antes da deterioração do bicho. No caso das amoreiras, também são coletadas folhas para saber se há presença de agroquímicos como 2,4-D ou fipronil que, segundo Tosato, são os mais comumente encontrados em casos danosos de deriva.

“A orientação inicial é que o prejudicado contrate imediatamente um profissional de agronomia para fazer um laudo técnico para ver se foi devido à deriva de algum agrotóxico. Em cima disso, há um cálculo do prejuízo. Caso ocorra um grande prejuízo, orientamos a fazer um boletim de ocorrência para anexar a um futuro processo judicial”, indica Tosato.

O fiscal da Adapar vai nas áreas vizinhas e entrevista produtores que podem ter sido responsáveis pela má utilização de defensivos. “Conferimos quais produtos ele adquiriu, pedimos nota fiscal e verificamos condição de aplicação e distância para os vizinhos. Se a fiscalização constatar que foi feito em discordância com o fabricante ou com as normas legais, será lavrado um auto de infração contra o aplicador, assim como um processo administrativo que é encaminhado ao Ministério Público”, disse.

Fiscalização de agrotóxico feito pela Adapar

Foto: Adapar

Segundo Tosato, mesmo que não seja comprovado que a deriva tenha causado os prejuízos, a aplicação errada gera punição. “O mais difícil é comprovar a origem do material tóxico, mas isso ocorre em alguns casos em que o produtor aplica o produto fugindo das recomendações do fabricante. Mas as provas são fundamentais, pois em alguns casos a deriva vem da própria propriedade, quando o produtor do bicho-da-seda ou da abelha aplica algum inseticida, que seja o mais inofensivo contra formiga, e que acaba causando danos. Nosso papel é ouvir todos os lados e não ser levado por simples brigas de vizinhos”.

Debate público

Nesta quinta-feira, 18, uma audiência pública online organizada pela Assembleia Legislativa do Paraná vai debater “os impactos da deriva do agrotóxico na sericicultura, apicultura, produção orgânica e agroecológica”. Será às 9h30, transmitida pelo YouTube e Facebook da Assembleia Legislativa.

O debate contará com a participação de agricultores e representantes de órgãos reguladores de todo o Paraná, que analisarão os impactos desses produtos e estratégias para mudar essa realidade. O evento é organizado pelos deputados Professor Lemos (PT); Luiz Claudio Romanelli (PSB); Tadeu Veneri (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos; Goura (PDT), presidente da Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais; Anibelli Neto (MDB), presidente da Comissão de Agricultura; e deputada Luciana Rafagnin (PT), coordenadora do Bloco da Agricultura Familiar.

Por Canal Rural

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