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Calamidade no RS cria cidades-fantasma cuja reconstrução é incerta

Ainda vivendo momento crítico, Rio Grande do Sul terá que planejar reconstrução distante de pontos que inundam cada vez mais rotineiramente

A maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul vai mudar a geografia do estado. Os resgates ainda nem terminaram na cidade de Cruzeiro do Sul (RS) e o medo do que vai acontecer depois já assombra os moradores da cidade no interior gaúcho. Ainda sem abastecimento de água e com as vias de acesso bloqueadas, o município de 6 mil habitantes que teve mais de mil casas destruídas e quase metade de seu território devastado pela água vai precisar ganhar uma nova configuração no pós-crise. O que havia antes das enchentes nem sempre poderá ser reconstruído.

Ainda ocupadas nas buscas de 12 desaparecidos, as autoridades da cidade ainda não tiveram tempo de analisar em que novos espaços se dará a reconstrução. Mas reconhecem a necessidade de novas perspectivas. Segundo Francisco José Backes, engenheiro do setor de habitação da Defesa Civil, para muitos moradores ainda não caiu a ficha: “Estamos na adrenalina da catástrofe. As pessoas ainda não se deram conta que não têm mais suas casas. Muitas pessoas estão procurando locais mais altos para se refugiar. Outras estão buscando alternativas em regiões mais distantes”, relata.

Para as cidades serem reconstruídos em um modelo de maior segurança ambiental, especialistas recomendam critérios de “desedificação e a renaturalização”, além de uma nova orientação do crescimento. Segundo o ecólogo Marcelo Dutra da Silva, professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), alguns dos municípios gaúchos, que foram atingidos de forma recorrente nos últimos três anos, vão precisar buscar estratégia de proteção se afastando do corpo hídrico e levando seus bairros para áreas mais elevadas.

“Precisamos pensar em prevenção e adaptação das cidades às mudanças climáticas, com a revisitação dos planos diretores. Mais do que isso: a inclusão de um plano de emergência climática nos municípios, pois nos faltam instrumentos de planejamento”, sugere o especialista.

Morador de São Jerônimo, cidade que fica há uma hora de Porto Alegre, o documentarista Juliano Ambrozini conta que grande parte do local está sem comunicação, sem acesso a estradas e com dificuldade de receber mantimentos. Para chegar lá, só de helicóptero. Por a cidade estar situada na confluência de dos rios Taquari e Jacuí e ter muitos pescadores e ribeirinhos, a adaptabilidade e resiliência em relação às enchentes é uma característica dos moradores. Dessa vez, porém, o impacto foi especialmente forte.

“Refletimos se as pessoas ainda irão morar perto do rio, quando será a próxima enchente. São Jerônimo sofre muito neste momento, a cidade está isolada, e já começamos a ter uma série de problemas”, relata Ambrozini.

Projeção de cenários

Para projetar a reconstrução de seu futuro, o estado do Rio Grande do Sul vai precisar de ajuda externa. Na percepção de Ana Liv, arquiteta, terapeuta e mestre em arquitetura sustentável de emergência, “é necessário criar situações que possam minimizar os riscos, incorporando algum tipo de aprendizado, como criar áreas verdes no entorno dos rios. Com experiência na reconstrução pós–conflito na África, ela explica que quem está dentro do local atingido não consegue dimensionar a totalidade dos impactos. “Esse olhar desconectado de valor afetivo traz uma ajuda necessária para minimizar os riscos de próximas catástrofes”.

Em uma de suas viagens pela ajuda humanitária, Ana Liv visitou a Alemanha, onde conheceu regiões que parecem ambientes naturais mas com montanhas de destroços da guerra. São montanhas artificiais de resíduos e destroços, que acabaram mudando a geografia dos locais. Nesta última semana, um grupo de cientistas começou a mapear os custos com a remoção de resíduos no Rio Grande do Sul. Os dados estão sendo analisados e inseridos em um repositório de informações geográficas criado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com o objetivo de dar suporte às decisões urbanísticas e políticas.

Desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) com apoio da Faculdade de Arquitetura e pesquisadores voluntários, a plataforma oferece modelos de previsão de elevação do nível d’água, mapeamento de áreas afetadas pelas inundações e produção de informações críticas no enfrentamento da crise das cheias no Rio Grande do Sul.

“Nossas analises levam a crer que algumas cidades tenham que ser desfeitas. Muçum, Roca Sales, por exemplo, não têm como continuar existindo, estão muito expostas ao risco”, declara. Estamos trabalhando para mapear a intensidade de impacto e vulnerabilidade das estruturas impactadas cruzando dados como renda média dos moradores de determinado local, número de caminhões, entre outros”, diz o urbanista e cientista de dados Guilherme Marques Iablonovski.

Ele lidera um levantamento que, dentro de alguns dias, trará informações sobre quanto tempo e quanto recurso será necessário para a limpeza dos destroços das enchentes. Com experiência na quantificação de gestão de escombros pós-catástrofe junto à Organização das Nações Unidas (ONU) em locais como a Faixa de Gaza, Iablonovski recorda que a situação no sul do Brasil o faz lembrar da cidade de Agdan, no Azerbaijão, que virou uma cidade-fantasma depois de ter passado para o controle dos armênios e estar cheia de minas terrestres em um contexto de guerra. Em sua primeira pesquisa do tipo no Brasil, está empenhado em computar os danos para auxiliar às políticas públicas aos melhores direcionamentos nesta etapa de reconstrução. “Talvez, o governo federal terá que lançar novas diretrizes para as cidades”, conclui.

FONTE: Lara Ely
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